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Maceió, 08 de Maio de 2024

Noticias Em Alagoas, 26 pessoas transgênero trocaram de nome em 2023

Em Alagoas, 26 pessoas transgênero trocaram de nome em 2023


Ramon Diogo Vieira da Silva era “apenas” um nome na certidão de nascimento e em todos os documentos tirados a partir dela. Somente no ano passado, então com 38 anos de idade, o nome pode ser alterado e consigo uma nova identidade de gênero foi exposta, de forma oficial, à sociedade alagoana. Ramon Diogo virou Luana. Mais detalhadamente Luana Vieira da Silva. Natural de Maceió, contou que nunca sofreu preconceito dentro de casa.

Segundo ela, uma mulher trans que segue a vida estudando e representando os usuários de entorpecentes no Fórum do Conselho Estadual de Assistência Social está agora de posse de documentos que verdadeiramente lhe representam.

As pessoas transgênero não se identificam com o corpo biológico e as representações de feminilidade e masculinidade de nascimento e buscam adequar seu corpo a sua identidade. Uma mulher trans é aquela que foi designada como homem ao nascer, mas se entende como uma mulher.

A procura pelo cartório para ter nos documentos o gênero com o qual se identifica não foi apenas um comportamento da Luana. Em 2023, 26 pessoas alteraram o registro civil e, consequentemente, todos os documentos que um cidadão brasileiro ou cidadã brasileira carregam durante toda a sua vida.

De acordo com a Arpen/Alagoas – Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais –, de janeiro deste ano até o último dia 5 de março, uma pessoa trans seguiu os passos de Luana Vieira da Silva.

“Hoje ao entrar em qualquer lugar apesar de apresentar todos os meus documentos ainda lido com o preconceito. Especialmente em órgãos públicos. Acredito que as pessoas que fazem o atendimento não tenham recebido capacitação para nos atender. Não são todos que respeitam a população trans ou os travestis. Em muitos casos, mesmo eu mostrando meu documento ainda querem me tratar por ‘senhor’”, afirma Luana.

Conforme as estatísticas da Associação, em 2021 houve a emissão de 25 novos registros civis e, em 2022, 47 pessoas procuraram o cartório para este fim. Até então, o maior registro da série histórica da Arpen/Alagoas.

Violentada aos 11 anos, mulher trans viveu drama

O jornal Tribuna Independente conheceu a faxineira Joana Padylla Ribeiro de Lima, 24 anos. Vítima de todo tipo de preconceito, por ser uma mulher trans.

“Fui violentada aos 11 anos por um homem bêbado. Contei aos meus pais. Ninguém deu a mínima para o meu relato. Minha vida começou muito cedo nas ruas e nas esquinas. Fui expulsa de casa aos 13 anos de idade. Tive que me prostituir. Precisava sobreviver”, relatou ao completar, com orgulho, que concluiu o ensino médio.

Joana, nascida João Vitor Ribeiro de Lima, é filha de pais evangélicos, gostava de meninos, desde a época da escola. E por isso, sempre apanhou, era mal compreendida, chamada de gay e pirracenta tanto na família quanto na escola. “Eu só queria viver do meu jeito, ser feliz e continuar saltitante. Minha mãe sempre me defendia, o que fazia meu pai sempre brigar com ela. E de mim, sempre tirava sangue nas pisas. Mas nunca perdi meu foco. Eu queria ser uma mulher linda e é isso que sou agora, com meus documentos provando isso. Desde muito nova até hoje, só bebo champanhe. Não fumo, nem drogas e nem cigarro. Hoje sou a mulher que eu mais queria ser na vida: eu mesma, cheia de amor-próprio, sem depender de homem nenhum e carregando minha identidade”.

Joana que lembra com felicidade do dia 20 de julho de 2022, quando mudou no cartório seu registro civil, tem apenas uma lembrança boa da infância, a da mãe. “Quando ela adoeceu, larguei tudo e fui cuidar dela. Antes de falecer ela me pediu perdão. Eu a perdoei. Meu pai continua evangélico, quer ver o diabo, mas não que me ver. A vida segue. Tenho minha casa própria e um companheiro que está comigo em todas as horas. E quem duvidar que sou Joana, mostro meus documentos”, finalizou.

Joana Padylla Ribeiro sofreu e sofre preconceito dentro da própria família. A mãe faleceu e lhe pediu perdão. O pai evangélico não aceita vê-la. Mas ela vive feliz com um companheiro que está perto todas as horas (Foto: Arquivo pessoal)
Pelo Brasil afora existem 227 registros de mudança de gênero em que os cidadãos optaram por preservar o nome que receberam no momento de seu nascimento.

Em Alagoas, a Arpen não tem dados sobre qual a maior parte das transições de gêneros – se do gênero masculino para o feminino ou se do feminino para o masculino.

De acordo com a Arpen, em 2018, ano em que as mudanças foram autorizadas, o Paraná, por exemplo, registrou 83 atos de retificação de nome e gênero em cartórios.

Conforme os levantamentos foram: 48,3% são de pessoas que retificaram o gênero de feminino para masculino; 45,4% são de pessoas que retificaram o gênero de masculino para feminino; 6,3% mudaram o gênero, mas mudaram o nome, uma vez que é opcional.

“É por meio do registro civil que determinados grupos da sociedade, como neste caso da população trans, saem da invisibilidade. Conferir dignidade à pessoa humana está no cerne do registro civil e, mais uma vez, os cartórios se mostram entes participativos neste processo de mudança”, destacou o presidente do Instituto do Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Paraná (Irpen-PR), Mateus Afonso Vido da Silva.

Já a advogada Gisele Alessandra explica que a retificação é um “passo inicial” para a entrada efetiva de pessoas trans na sociedade. Mas, a comunidade enfrenta desafios que vão além do nome e do gênero.

Brasil bate recorde de mudança de gênero em cartórios em 2023

Em 2023, o Brasil bateu recorde no número de brasileiros que buscaram cartórios para mudar o seu gênero no registro. Segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais – Arpen-Brasil, 3.908 pessoas fizeram a alteração, sendo que 94% delas também registraram novos nomes.

Os números mostram que foram contabilizadas mais transições do gênero masculino para o feminino (2.169) do que do feminino para o masculino (1.512). Em todos esses casos, houve também a troca de nome.

Os cartórios ainda somaram, até o dia 10 de dezembro do ano passado, 227 registros de mudança de gênero em que os cidadãos optaram por preservar o nome que receberam no momento de seu nascimento.

Este é o terceiro ano seguido que o número aumenta. Após registrar uma queda em 2020, o primeiro ano de pandemia da COVID-19, quando 1.283 brasileiros mudaram seu gênero no registro civil, o índice passou a crescer ano a ano. Em 2021, 1.863 pessoas lançaram mão do recurso. No ano seguinte, em 2022, esse número saltou para 3.165.

Atualmente, é possível mudar o nome e o gênero nos documentos de identificação sem a necessidade de ação judicial ou da realização de cirurgia de transgenitalização. A situação, contudo, era bastante diferente há poucos anos, quando os interessados em alterar o registro civil encontravam um processo longo e tortuoso pelo caminho.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o primeiro passo para que os transgêneros pudessem ter o direito de usar o nome social sem maiores burocracias aconteceu no julgamento do REsp 1.008.398, em 2009. Na ocasião, a Terceira Turma do STJ deu provimento ao recurso de uma mulher transgênero que, após a cirurgia de transgenitalização, buscava alterar o gênero e o nome registrados em sua certidão de nascimento.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, destacou que, para as pessoas transexuais, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real vivenciada por esses indivíduos.

“Vetar a alteração do prenome do transexual redesignado corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal. No caso, a possibilidade de uma vida digna para o recorrente depende da alteração solicitada”, declarou a ministra.

Em 2017, a Quarta Turma do STJ evoluiu para decidir que, independentemente da realização de cirurgia de adequação sexual, é possível a alteração do nome e do sexo constantes no registro civil de pessoas transgênero.

Lei de 2022 tornou mais simples, rápida e barata a mudança do registro

A Lei Federal, n° 14.382, de 2022, tornou a troca de prenome e sobrenome mais simples, rápida e barata. A lei entrou em vigor em junho daquele ano. desde então, qualquer pessoa com mais de 18 anos pode requerer ao cartório de registro civil de origem a adequação de sua certidão de nascimento ou casamento à identidade autopercebida. Mais de 15 mil pessoas já o fizeram.

Até então, era necessário contratar advogado, recorrer aos Tribunais, apresentar uma justificativa plausível e aguardar a decisão do juiz – que poderia, no fim, não autorizar a mudança de nome.

A ação judicial continua sendo necessária para pessoas com menos de 18 anos, que precisam dos pais ou representantes legais para entrar com a ação na Justiça pedindo a alteração do nome e gênero na certidão de nascimento.

Para os maiores de 18 anos, agora, basta apresentar o pedido diretamente a qualquer um dos 7.800 cartórios de registro civil do Brasil.

Conforme a Arpen Alagoas, o Estado tem 137 cartórios de registro civil, dos quais sete na capital. Para realizar a alteração de nome, basta se dirigir ao cartório mais próximo de sua residência e fazer o pedido ao atendente. O procedimento deve ser realizado de maneira presencial, não sendo necessário justificar o motivo da troca.


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